O RESGATE DO FEMININO

O que define uma mulher? Muitas respostas poderiam ser dadas a esta pergunta, mas o que caracteristicamente a define, é o fato de a mulher menstruar. E em sua condição plena, ela menstrua regularmente; isto é uma redundância, porque a palavra menstruação significa literalmente mudança de Lua.

A sílaba latina mens, mensis, forma palavras como dimensão, metro, mente, medida – origem da contagem do tempo, ou seja, da regularidade.

No sânscrito, a sílaba original é ma, de mãe, mana. Na Suméria, os princípios organizadores do mundo, atributos da deusa Inana, estão em me, sílaba contida no nome de muitas deusas, como Medéia, Medusa, Nêmesis e Deméter.

Para as mulheres da Idade da Pedra, o sangue menstrual era sagrado. É provável que a palavra sacramento se origine de sacer mens, literalmente menstruação sagrada. Um ritual exclusivamente feminino, conhecido pelos gregos como Thesmophoria, e cuja origem se perde no tempo, era realizado anualmente, no período da semeadura. As mulheres que tinham atingido a idade do sangramento se reuniam num campo sagrado, e ao primeiro sinal do fluxo menstrual, elas desciam por uma fenda para levar sua oferenda às Cobras, as grandes divindades primárias do submundo, que representavam o Poder regenerador da terra, no campo e no corpo das mulheres.

Ofereciam o melhor leitão da ninhada, cuja carne apodrecia junto ao sangue menstrual, era misturada às sementes, que então eram enterradas no campo sagrado, para promover e propiciar uma colheita abundante.

Os antigos ritos de menstruação hindus estavam relacionados com Vairavarahi, “Porca de Diamante”, a deusa que rege as divindades femininas iradas, que dançam o campo energético do ciclo menstrual. Ela é a dançante Dakini vermelha, filha da Deusa Primal do Oceano de Sangue, mais tarde denominada de Soma.

Representando o fluido da vida, o sangue menstrual sempre foi considerado tabu, palavra polinésia que significa “sagrado” e que foi interpretada pelos antropólogos como sendo “proibido”. De fato, o sangue menstrual, como o poder de criar vida que conecta as mulheres com o próprio universo, era tabu: sagrado, e portanto proibido àqueles que não menstruassem: os homens.

No mais esotérico dos rituais tântricos, o Yoni Puja, os sucos liberados pela cópula eram misturados com vinho e partilhados pela congregação. O mais poderoso de todos os sucos era aquele obtido quando a yogini estava menstruando.

Ao longo dos milênios as mulheres tem desaprendido a arte de menstruar , de fluir com a vida. Nas sociedades tribais, a menarca ( o início do fluir do sangue ) era celebrado como rito de passagem, auxiliando a menina a realizar sua entrada para o reino do mana: o poder sagrado transmitido pelo sangue e que tanto podia dar como tirar a vida. Além de apaziguar o poder destruidor, o rito tinha como função, auxiliar a menina a entender sua condição física e sua relação com a função procriadora da Natureza.

Ao longo do processo civilizatório, a menstruação foi sendo depreciada, relegada, virando tabu. O que era sagrado tornou-se proibido, sujo, contaminado. A regra passou a ser esconder a regra. O resultado disto foi que o evento central na vida de toda mulher madura, tornou-se invisível.relax

O ciclo hormonal feminino apresenta dois pontos culminantes: a ovulação e a menstruação. O polo branco da ovulação, chamado muitas vezes de rio da vida, é o polo ovariano, procriativo, momento do ciclo em que, biologicamente, a mulher se coloca a serviço da espécie. O polo vermelho da menstruação, também chamado de rio da morte, é o polo uterino, quando a mulher se volta para si mesma. Ou pelo menos deveria, pois a arte de menstruar, a habilidade de fluir com a vida, é o momento em que somos chamadas para dentro, a fim de curarmos a nós mesmas.

Obviamente, nos dias atuais, não é possível retornarmos aos antigos ritos, mas se reeducarmos e ( novamente 0 percebermos que a menstruação é um processo natural, biológico e necessário, vamos fazer as pazes conosco mesmas, vamos retornar à consciência de que a menstruação faz parte da mulher; é ela que mantém a pele viçosa.

Se mantivermos a atitude de negar o feminino, estaremos indo contra nossa natureza biológica e psíquica, acarretando cólicas, desconfortos e TPM. Se mudarmos nossa atitude interna, estaremos reaprendendo a respeitar o movimento energético que acontece em nosso interior no período menstrual; podendo usar nossa sensibilidade de um modo mais significativo e criativo. Assim, estaremos resgatando nosso sangramento mensal à sua categoria de sagrado, e não mais como algo depreciativo e incômodo.

Com base nos livros: Hera, Um Poder Feminino – Monika von Kross e Para Viver os Mitos – Joseph Campbell – Ed. Cultrix

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